sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ser fiel a Deus

Fidelidade a Deus significa lealdade, correção, confiança na relação inter-pessoal, porque Ele é fiel, como bem, lembrou São Paulo aos Coríntios: “Fiel é Deus que vos chamou à comunhão de seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Cor 1,9). 

Aos Tessalonicenses ele ensinou a mesma verdade: “É fiel aquele que vos chama e realiza as suas promessas” (1 Tess 5,24). O caminho da fidelidade ao Ser Supremo de quem tudo se recebe é o caminho do amor, da confiança, da misericórdia e da humildade. Muitas vezes se esquece que cada alma é um mundo único repleto de maravilhas, dado que o Senhor Onipotente não repete suas obras primas. 

O mesmo Apóstolo mostrou que “uma estrela difere da outra em brilho” (1 Cor 15,41). No que tange à alma de cada um, esta realidade é ainda mais impressionante. É o que se contempla na existência dos santos, modelos de fidelidade às graças divinas. Eles escancararam as portas de seu coração à influência do Espírito Santo e maravilhas ocorreram em suas existências. Isto continua acontecendo através dos tempos na vida de todo verdadeiro cristão. 

A fidelidade, porém, não se manifesta em ações espetaculares, mas nas atividades diárias, muitas vezes despercebidas dos outros. São, entretanto, valiosíssimas diante do Senhor Onipotente. Nos mil pormenores do dia a dia é que se demonstra a lealdade para com Ele. Claras as palavras de Cristo: “Aquele que é fiel nas pequenas coisas o será também nas grandes” (Lc 19,16). Razão tem o Mestre divino, porque no que diz respeito à perfeição que o seu discípulo deve sempre almejar, tudo tem uma importância capital. O desejo de fazer e sofrer grandes coisas é quase sempre uma ilusão do amor próprio, efeito de uma presunção condenável. 

As grandes coisas, as grandes ocasiões da virtude raramente se apresentam. As pequenas coisas se oferecem a cada instante. As grandes coisas supõem da parte de Deus graças proporcionadas, Entretanto, para merecer e obter as grandes graças, as graças especiais, é preciso ter sido antes fiel nas pequeninas tarefas cotidianas. Trata-se de viver em plenitude o momento presente. Embora todo perfeccionismo, ou seja, tendência obsessivamente exagerada para atingir a perfeição na realização de alguma tarefa, deva ser evitado, contudo, todo esforço precisa ser empregado para bem viver cada minuto que passa, sem malbaratar o tempo precioso que Deus concede. É aí que se situa a fuga das obrigações imediatas o que ocorre sobretudo no contexto atual.

 Numerosos são aqueles que passam horas e horas em frente à televisão, ou nas ligações telefônicas inúteis, ou nas redes sociais da internet. Adite-se que a própria oração pode se tornar uma fuga do dever. Aqui vale bem o ditado: “Primeiro a obrigação, depois a devoção”, embora qualquer atividade feita na presença de Deus e com a reta intenção de O agradar já seja, em si, um grande louvor ao Criador. A vida do cristão supõe coragem, determinação para a exata fidelidade exigida na ordem dada por Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”. Não é fácil morrer a todo momento a si mesmo para seguir continuamente a inspiração da graça e fazer cada coisa com toda a perfeição possível sem nunca relaxar. Como grande é a fragilidade humana, é preciso saber conviver com as falhas que um bom exame de consciência à noite lembra ao fiel. 

Uma prece humilde sobe então até Deus: “Cobri, Senhor, os abismos de minha debilidade”! Quem assim procede ganha infalivelmente o coração de Deus, atrai ainda mais sua ternura, seus favores. Tal cristão se dispõe deste modo para, quando a Providência assim o determinar, suportar grandes coisas, pois estará preparado para os atos mais heróicos num desapego total do que é efêmero, passageiro, ilusório. Desta maneira, nunca se perde a Deus de vista e a inquietude não se apossa daquele que corresponde a tudo que a inspiração divina lhe pede. 

O amor de Deus quer de fato uma santa liberdade, fruto da disponibilidade de Lhe ser fiel em tudo. Aos poucos a alma forma insensivelmente um hábito de agir em tudo pelo instinto de Deus. Disto resulta então o repouso tranquilo na plenitude do momento presente, afastada agitação quer exterior, quer interior. A fidelidade se torna a respiração natural da alma e o cristão atinge aquela postura iluminada que caracteriza os que assim se entregam totalmente à ação divina.

Confiança na providência divina

Cristo incentivou sempre a confiança absoluta na Providência Divina, uma vez que o Pai sabe muito bem tudo o que cada um precisa (Mt 6, 24-34). Crer na Divina Providência é saber que Deus age em tudo e tem um cuidado especial de cada uma de suas criaturas. Isto não é nem fatalismo, como ensinam os discípulos de Maomé, nem magia, como se o Ser Supremo devesse intervir cada vez que o ser racional se depara com momentos de provações. 

A fé na Divina Providência é antes de tudo um apelo a todos para cooperar na Sua obra, de uma maneira confiante e responsável, mesmo porque grande parte das desgraças que advêm são resultado exatamente da maneira desastrada do agir humano. É isto evidente, por exemplo, no que tange a fome no mundo, na má distribuição da renda. 

Pelo trabalho, pelas ações virtuosas, pelas preces e até pelos sofrimentos dos quais ninguém está livre neste vale de lágrimas quem tem fé pode agir tornando o mundo melhor. Foi o que aconselhou São Paulo aos Filipenses: “Fazei tudo sem murmurações e sem críticas para serdes irrepreensíveis e íntegros, filhós de Deus sem macula, no meio desta geração perversa e corrupta. No meio dela deveis resplandecer como luzeiros no mundo’ (Fl 2, 14-16). Dois conhecidos provérbios ilustram este pensamento do Apóstolo: “Ajuda-te e o céu te ajudará”; “O homem põe e Deus dispõe”. Trata-se, de fato, da participação humana no governo divino do universo. Pela sua Divina Providência, Deus deixa a cada um sua parcela de responsabilidade e concede ao ser humano o mérito de sua cooperação. 

O Concílio Vaticano II na Constituição Apostólica “Gaudium et Spes”, ensinou que as coisas são estabelecidas segundo sua constância e verdade própria e suas leis específicas (GS 36). Elas, entretanto ficam autônomas. O homem realmente foi criado para dominar e submeter a terra como está no início da Bíblia (Gn 1,28).

 Isto significa que ele se tornou assim providente para ele mesmo e sua responsabilidade é particular diante de Deus e de todos os outros homens. Muitos problemas ecológicos resultam do mau uso da liberdade humana. O mesmo se diga de tantas outras catástrofes e sofrimentos como os ocasionados pelas drogas e outros vícios. Portanto, o ser racional deve estar consciente dos males que ele mesmo causa a si e aos outros. Entretanto, pelas boas obras pode o homem contrabalançar as desgraças que ocorrem e suas preces têm um valor imenso para que menos males aconteçam em seu derredor e pelo mundo afora. Com razão, afirmou Elisabeth Leseur: “Uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro”. Na verdade, nós não sabemos o bem que fazemos, quando praticamos o bem.

 Foi o que compreendeu magnificamente Santa Teresinha do Menino Jesus que, no fundo de seu Carmelo, espalhava rosas nesta terra de exílio, o que ela continua a fazer lá do céu. Adite-se que várias vezes adversidades que surgem são um alerta de Deus, como se lê no Livro de Judite: “O Senhor nos açoita, não para castigar-nos, mas nos advertir” (Jd 8,27). Foi o que afirmou São Paulo na Carta aos Romanos: “Tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Este Deus, mesmo diante das infelicidades causadas pelo ser humano, sabe tirar o bem como ocorreu com a morte de seu Filho lá no Calvário, da qual resultou a Redenção da humanidade. 

É sabedoria, portanto, transformar os espinhos da vida em pérolas preciosas e é, por isto, que Jesus aconselhou: “Buscai antes de tudo reino de Deus e sua justiça e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo”. Quem assim age tendo sempre em mira este Reino de Deus sabe se utilizar de todos os bens que estão a sua volta, jamais sendo ingrato para o grande Benfeitor, malbaratando tudo que dele se recebe. Desta postura resulta a confiança absoluta no Pai que está nos céus. A questão é que o pecado se inseriu no coração dos seres racionais e estes se esquecem de que somente quando se está em paz com Deus é que os males se diluem e se pode melhorar o mundo.

 Trata-se da conversão interior mesmo diante das coisas materiais. Quantas doenças resultam do mau uso do que se recebe da Providência Divina, como, por exemplo, tantas enfermidades advindas do excesso do comer e do beber. Tal deve ser a conduta de quem confia na Providência Divina: viver a vida do melhor modo possível, bem usufruindo de tudo que se recebe de Deus, nunca empregando seus dons para praticar o que é diretamente contra os dez Mandamentos da Lei divina. Cumpre procurar a harmonia perfeita e definitiva do amor de Deus o qual encherá totalmente de felicidade todos os instantes da vida de cada um, vida assim passada bem de acordo com os planos traçados pela Sua providência para o bem próprio e de todo o mundo.

O Espírito da Verdade


Este ensinamento de Jesus “se me amais guardareis os meus mandamentos” é uma condição para se receber o Espírito Santo e para que Ele permaneça sempre com seus seguidores (Jo 14,15-17).. Este Espírito é o Espírito da Verdade, consubstancial e coeterno ao Pai e ao Filho. É deste Espírito que fala São Paulo: “O amor de Deus foi difundido em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. 

Portanto não basta proclamar que se ama Cristo, mas é preciso não negá-lo pelas obras, afim de estar em condições para que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade venha e opere suas maravilhas na alma de quem, realmente, ama o Mestre divino. 

Esta dileção é fruto do bom emprego da liberdade individual, uma vez que Cristo não a impõe, mas a propõe. A preparação para a festa de Pentecostes, este ano celebrada dia 8 de junho, supõe um exame de vida para uma verificação se ela está plenamente de acordo com os mandamentos do Senhor. Espírito da Verdade, o Espírito Santo prometido por Cristo, é um sopro, “pneuma” Não se vê, mas pode transformar a realidade humana. Não pode ser visto, mas não se sabe de onde vem, nem para onde vai (Jo 3,8). 

Ele passará, mas não se pode fotografá-lo, nem O aprisionar. Ficará, porém, com aqueles que são capazes de amar o Redentor da humanidade, agindo então com poder no interior de cada um e iluminando toda uma existência. Como frisou Jesus, Ele é o Espírito da Verdade (Jo 14,17), mas verdade não sentido filosófico de uma adequação entre uma palavra, uma definição e a realidade, mas no sentido bíblico. Este é um bem mais existencial. A palavra hebraica “emeth” significa mais fidelidade do que verdade conceitual. Desta fidelidade resulta o afastamento de todos os falsos apoios ou enganosas seguranças que o mundo oferece. Oferece total solidez à vida do cristão. O Espírito Santo que Jesus roga ao Pai pelos seus epígonos não é um professor de teologia, mas uma corrente de amor infinito que remete cada um à aliança perene com o Criador. Ele é o Paráclito, o Defensor e, assim, quando o mundo ridiculariza a fé e a esperança daquele que crê, este Espírito da Verdade não deixa ninguém esmorecer na caminhada para as realidades celestes.

 Por isto, Ele que permanece silencioso dentro do autêntico discípulo de Cristo, o faz crescer, avançar, progredir sempre no amor. O mundo de hoje é um mundo que conhece um notável progresso científico e tecnológico o qual deseja, astuciosamente, se mostrar como uma espécie de messianismo, que anuncia salvação, felicidade. Promessas falsas e vãs e daí a angústia existencial que reina no contexto atual para aqueles que se deixam iludir pelas conquistas terrenas. O Espírito Santo que Jesus roga ao Pai para quem lhe é fiel é que demonstra ser o homem feito para além desta terra, além de si mesmo. Jean Jacques Rousseau, filósofo, teórico político, escritor suíço, com razão afirmou que o ser racional se distingue dos outros animais, não pela sua perfeição, mas pela sua perfectibilidade. Blaise Pascal, físico, matemático, filósofo e teólogo francês foi ainda mais preciso ao afirmar que “o homem ultrapassa infinitamente o homem”. 

Com efeito, tem ele dentro de si aspirações que vão até o Infinito, o Eterno, à Beleza Suprema que é Deus. É preciso, porém, romper os muramentos terrestres, seguir Jesus e receber o Espírito da Verdade. Dá-se então o transumanismo de que falam o filósofo Fabrice Hadjaj e o consagrado pelo biologista Julio Huxley, primeiro diretor geral da Unesco. O homem espiritual vai muito além da biologia e da mais avançada tecnologia. É o Espírito da Verdade de que Jesus fala no Evangelho de hoje, o qual leva a não se deixar enganar pelo progresso e elimina a vulnerabilidade a que o ser humano está exposto diante dos falsos Arquitetos de Idéias. Estes impedem o contato interior com o Espírito da Verdade, o único que pode revelar o dinamismo divino no fundo de cada coração. 

Donde as palavras de São Paulo: “Marchai sob o impulso do Espírito e não satisfareis o que a carne deseja”(Gl 5,16). É o viver em função do Espírito da Verdade (Gl 5,25). Trata de maravilhoso sistema de posicionamento global, o melhor GPS, porque o cristão se deixa guiar pelo Espírito Santo! O que Jesus pede então é que se empregue sempre este GPS, pois ele roga ao Pai que envie o Espírito da Verdade. Este transfigura os corações, ilumina as inteligência, guia com precisão até a Casa do Pai

Condições para estar em união com Deus

Em primeiro lugar é viver intensamente o que se reza na oração ensinada por Jesus: “Seja feita a vossa vontade”. Trata-se de um posicionamento imprescindível para o cristão existir em função de Deus. 

É  deixar nas mãos divinas o que se faz ou se realizará. Tudo entregando aos desígnios da Providência do Criador. Para isto  cumpre invocar sempre as luzes celestiais, dado que ninguém sabe por si mesmo o que é melhor em vista à salvação eterna. A sabedoria do Senhor é, evidentemente, superior à do ser criado, finito, contingente

 É necessária então a prece bíblica: “Mostra-me o caminho que devo trilhar” (Sl 145,8). Em segundo lugar o fiel precisa se doar inteiramente ao Ser Supremo. É daí que resulta a imperturbabilidade, a serenidade de acordo como que falou Davi:  “Nada te irrite, porque  daí só resulta o mal” (Sl 36,8). Acontecimento algum perturba quem se entrega a Deus, dado que imediatamente transforma os espinhos deste exílio terreno em pérolas para a eternidade. Repete com o salmista: “Porque te desolas, ó minha alma, e de fremes dentro de mim? Espera em Deus. 
De novo eu darei graças. Ele é o meu salvador e meu Deus” (Sl 41,6). É a confiança total e o descanso no Senhor: “Volta, minha alma, ao teu repouso, porque o Senhor te favoreceu” (Sl  116,7). Fica, deste modo, banida qualquer agitação, qualquer temor. 

 Além disto,  é preciso não desejar concretizar grandes feitos espirituais.  No cotidiano, nas mais pequeninas ações feitas com capricho é que se encontra a maneira mais luminosa de agradar a Deus. Esta atitude é fruto da humildade e do bom senso, do afastamento da presunção. Jesus ensinou claramente, “Quem é fiel nas coisas mínimas, é fiel também nas grandes” (Lc 15,10). 

Um grau mais elevado de santidade Deus o permitirá se Ele vir que aquela alma está disposta a tanto. Os notáveis feitos dos santos devem ser admirados, mas nem sempre podem ser imitados. Adite-se ser preciso com a graça divina vencer ininterruptamente o amor próprio. Este leva a se comprazer nas realidades terrenas, transitórias, e conduz ao comodismo e a uma quietude condenável. Muitas vezes leva ao naufrágio espiritual porque são procuradas consolações. Por vezes, há até uma revolta intempestiva contras os erros, as fraquezas. Esquece-se que somente Deus é perfeito. Está no salmo: “Se levardes em conta nossas faltas, Senhor, quem poderá subsistir? Mas em vós se encontra o perdão: eu confio e nada temo.” (Sl 129/130, 3-4). 

Mesmo os que procuram os caminhos da santidade têm que conviver com as aliciações do Inimigo, mas rezam com fé: “Não nos deixeis cair em tentação”. São as fantasias sexuais, a falta de paciência, o orgulho, as distrações nas orações e tantas outras artimanhas do demônio e suas fórmulas maléficas . Cabe ao fiel fugir continuamente das ocasiões destas invectivas satânicas, mas estar consecutivamente disposto a recomeçar se houver alguma fraqueza, ainda que seja falta venial.  

O desânimo nunca se apossa daquele que repete com Davi: “Com Deus faremos proezas " (Sl 58,14). Sabe que após a tempestade virá a bonança, a paz interior resultado da vitória contra o espírito mau. Adicione-se a todas estas reflexões que para não se afastar de Deus o cristão tem  necessidade  de permitir a atividade divina, não colocando obstáculo algum à mesma, permitindo que a graça nela modele a imagem divina. A alma fica passiva, deixando Deus operar sem bloqueio algum. Trata-se de repetir com São Paulo: “Eu sei em quem eu confiei”(2 Tm 3,16).  Compreende-se desde modo como esta fidúcia faz penetrar nos segredos divinos. No coração de quem permite a graça operar, Deus faz maravilhas. 

O despertar da dileção a Ele,  deste  modo, persistentemente se dá. Finalmente, quando o Pai do céu parece se ocultar, por entre as tribulações que Ele possa permitir, é de vital importância não haver o mínimo resquício de queixa diante dele. Ele sabe o que mais convém a cada um e nunca se pode trazer Deus ao próprio tribunal. Nesse caso, o desespero seria a maior afronta à ternura divina. A prova é que comprova a plena adesão de cada um a seu Senhor. Este quer, por vezes, o testemunho de um amor sem reservas, sincero, perseverante.  

Quem coloca em prática todas estas considerações perceberá as delícias que fluem junto de Deus e que serão a porção dos eleitos por toda a eternidade. Tesouro perene para os que neste mundo caminharam sempre unidos a Deus.

 
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