sábado, 14 de novembro de 2015

Passarão o Céu e a Terra

Ao falar sobre o fim do mundo Jesus lançou a célebre sentença: “Passarão o céu e a terra, mas minhas palavras não passarão” (Mc 13,24-32).

 Ele deixou evidente seu retorno “sobre as nuvens, com muita potência e glória”. Esta sua vinda marcará o fim da história. Este acontecimento deve ser esperado e preparado. Esta verdade está sintetizada no Símbolo niceno-constantinopolitano: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que a de vir”.  

Entre as dicas lançadas por Cristo está a convulsão universal que se dará, o surgimento dos anjos que reunirão os eleitos para a glória eterna, ou seja, aqueles que foram seus fiéis seguidores. Por certo uma multidão imensa de todos os países e de todos os tempos. Não se dará uma catástrofe, mas a realização do plano de Deus, quando surgirá a humanidade nova, instante em que, ressuscitados os mortos, o ser humano com seu corpo glorioso e com sua alma que já passara pelo juízo particular verá a glória do Senhor. 

Os dois aspectos escatológicos, o messiânico e o cósmico, estão entrelaçados entre si. A comparação que Jesus fez com a figueira é então sumamente sugestiva. De fato o projeto criador terá chegado ao seu ápice com o nascimento do homem novo, fruto opimo do processo criativo desenvolvido através das gerações. Será o instante da maturidade. O Profeta Daniel já a havia prenunciado: “Os sábios resplandecerão como o fulgor do firmamento, e os que tiverem ensinado a muitos para a justiça, serão como estrelas para sempre, eternamente” (Dn 12,3). 

Seus nomes estavam registrados no Livro da Vida. Jesus voltará porque com Ele e nele foi que todo o projeto de amor e salvação de Deus se iniciou e solenemente se completará. Eis por que para o discípulo de Cristo o pensamento do fim do mundo não o envolve em pavor. O cristão, realmente, espera esta ocorrência na prece e na alegria. Assim como a morte não é o fim da vida, mas uma entrada em plenitude na verdadeira Vida, o fim do mundo não será um retorno da humanidade ao nada ou um simples fim de uma civilização. Será a apoteótica vitória de bem, quando as promessas de um Deus fiel se cumprirão nos novo céu e na nova terra (Ap 21,1). Toda a fecundidade da Igreja fulgirá em milhares de seres humanos que corresponderam aos desígnios salvíficos de Deus.

 Raiarão a vitória do Criador e o triunfo daqueles que não sucumbiram ao mal. Este triunfo foi preparado na história pessoal daquele que compreendeu o que significaram os sofrimentos e as lutas numa terra de exílio por onde passaram. Foram sustentados pela fé, viveram no amor fraterno e sempre moraram na casa da esperança. Sempre estiveram em contato com Jesus presente na Eucaristia, penhor da glória eterna. Rezaram centenas de vezes pedindo que o reino do Pai viesse e que Sua vontade fosse continuamente feita e agora contemplarão a concretização destes desejos sublimes. Tudo então consumado na grande glória do Senhor Onipotente com o qual reinarão por todo sempre. Assim sendo, outro grande ensinamento que flui deste fato inexorável, que será o fim dos tempos, é a necessidade da constância na observância dos mandamentos. 

Jesus foi claro: “É pela vossa perseverança que obtereis a vida" (Lc 21,19). Orientação breve, mas incisiva para se estar entre os eleitos no fim dos tempos. Esta firmeza fez parte da fortaleza com que cada terá enfrentado as batalhas rumo à eternidade, tendo suportando com ânimo as contradições, nunca cedendo ao desânimo. Quando soar o término da história universal, quem soube superar as dificuldades de um vale de lágrimas receberá o prêmio final de sua fidelidade a Deus. Nesta trajetória por este mundo esta lealdade é um mistério de adesão livre às graças divinas. Isto leva a uma permanente conversão que vai preparando a chegada ao Reino que há de vir. Uma atitude dinâmica que transporta para as paragens das virtudes e transforma divinizando o ser humano. É que a união com Deus se inicia neste mundo. 

O pensamento do final dos tempos vem assim lembrar que o movimento de redenção oferecida à humanidade exige uma adaptação da vida de cada um aos desígnios divinos. É o dever da colaboração rumo ao coração de um Deus-Amor que a todos quer acolher junto de si. Impera então a esperança, pois passarão o céu e a terra, mas as palavras, as promessas de Jesus não passarão.

Visão realista da vida

Aos olhos do mundo é triste a situação do autêntico cristão que evita as ilusões terrenas. Quando, porém, se tem uma visão realista da vida, é exatamente o contrario que se dá. Os falsos prazeres a que muitos se entregam escravizam e embrutecem o ser humano, ao passo que a prática das virtudes o liberta e enobrece. 

 O remorso acompanha sempre, inevitavelmente, aquele que se entrega aos desvarios morais, tendo aberto as portas a todos os transtornos psicossomáticos. Nada se compara, porém, ao júbilo íntimo daquele que, vencendo-se a si mesmo, se compraz na lei do Senhor.

 O Livro da Sabedoria mostra como os ímpios se enganam, “porque sua malícia os cega, e não compreendem os segredos de Deus, nem esperam a recompensa da religião, nem creem num galardão das almas puras” (Sb 2,22).  Davi conclama, porém: “Gostai e vede como é bom o Senhor, feliz do homem que a ele se recomenda. Temei o Senhor, vós, seus santos, porque nada faltará aos que o temem” (Sl 34,9-10).  Quem assim procede é que deparará a autêntica felicidade que o mundo jamais pode oferecer. Realiza o desejo amoroso de Deus que quer a ventura de todos que O amam. Como bem se expressou São Paulo na Carta aos Efésios, “Ele nos escolheu em Cristo, antes que o mundo fosse criado, para sermos santos e sem pecado diante de sua face graças a seu amor” (Ef 1,4).  Ocorre então o que este Apóstolo disse a Timóteo, afirmando que a palavra de Deus age em nós e produz seus maravilhosos efeitos, porque acolhida não como uma mensagem vinda dos homens (1 Tm 2,13). O Pe.  Ricardo Graef com razão afirmou que “na corajosa execução da atual vontade divina consiste a melhor valorização do momento presente” Isto significa ter uma visão realista da vida.

 Trata-se de cumprir o que Deus falou no Gênesis: “Anda na minha presença e sê irrepreensível” (Gên 17,1) Daí a necessidade da vigilância para se estar atento, continuamente realizando, com toda perfeição possível, o que se deve fazer naquele momento. A inspiração divina ilumina a todo instante os de boa vontade. Se ocorrer uma falha, imediatamente o erro é corrigido. Embora não se deva cair num mero perfeccionismo, dado que somente Deus é perfeito, o verdadeiro cristão nunca se acomoda, ratificando o que é censurável. Na trajetória espiritual qualquer indecisão leva infalivelmente a novos desacertos.  É necessário sintonizar sempre os pensamentos, desejos e ações com o Senhor de tudo. Platão, pensador pagão, deixou esta frase esplendorosa: “Não há nada mais belo, nem maior felicidade para um coração nobre do que viver constantemente unido à divindade”.

  O cristão, porém, iluminado pela fé com mais razão pode viver esta realidade, pois Jesus foi claro: “Se alguém me ama, meu Pai o amará, viremos a Ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23). Portanto, basta um ato de amor ao Deus Uno e Trino para que os inevitáveis pequenos desvios sejam corrigidos. Isto porque as faltas graves estão banidas da vida de quem vive o ideal traçado por Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Esta é a tarefa do cristão que traduz em ações concretas a realidade de sua filiação divina e de sua fé na doutrina do Mestre divino. Fé sólida e pessoal que conduz a um maravilhoso discernimento espiritual. Pode-se então atingir o que está na Carta aos Romanos sempre distinguindo “qual é a vontade de Deus, o bom, o agradável a ele, o perfeito” (Rm 12,2). À medida que o cristão avança no desapego do mundo e vive em função das verdades eternas passa a perceber quase que conaturalmente o que corresponde autenticamente aos desígnios salvíficos de Deus. Ocorre o que afirmou São João: “Nós sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligência para conhecermos o Verdadeiro e nós estamos no Verdadeiro, no seu Filho, Jesus Cristo” (1 Jo 5,20). Inúmeros os que penetram estes caminhos divinos, mediante o dom  da sabedoria e refletem em sua existência a virtudes teologais.

 Usufruem as maravilhas que Deus espalhou neste mundo, exploram as qualidades pessoais que dele recebeu e vivem tranquilos, enfrentando com destemor os sofrimentos inevitáveis a este exílio terreno.

A cura do filho de Timeu

São Marcos situou com precisão o momento do episódio da cura do filho de Timeu.   Jesus antes de chegar a Jerusalém atravessou Jericó, situada às margens do Rio Jordão. Ele saiu da cidade acompanhado dos discípulos e muita gente, ou seja, os peregrinos que iam também para a Páscoa na Cidade Santa. Para aquela multidão Bartimeu não passaria de um inoportuno. 

Era um dependente dos outros, um mendigo e, além do mais ele se pôs a gritar. Era, assim, uma figura desprezível. Aí a primeira lição deste acontecimento. Há um sem número de pobres menoscabados ao longo dos caminhos da vida percebendo passar os que se dizem estar com Cristo, estendendo a mão para um pouco de amizade, um olhar de comiseração, para um instante de diálogo e, no entanto,  são marginalizados. 

Para Jesus a presença daquele cego iria ser uma vez mais ocasião de contestar o egoísmo daqueles que o seguiam. Ele era o protagonista daquela marcha solene para a Capital, o heróis daquele grupo que caminhava para  honrar a Deus e viu como as pessoas se irritaram com os clamores daquele mendicante. Este pedia piedade ao Filho de Davi que por ali passava. Jesus parou e todos ficaram atentos a sua reação diante da impertinência de Bartimeu. Todos queriam que ele se calasse, mas aos olhos de Jesus ele se tornaria um privilegiado do Seu amor.  Jesus era um pedagogo admirável e vai mostrar a todos o que é a caridade ativa. Ele, delicadamente, não passa uma reprimenda aos que se implicavam com o cego, mas diz simplesmente: “Chamai-o”. O Mestre vai ensinar! Se àquele povo ele ministraria um exemplo de amor ao próximo, a Bartimeu ele educaria e firmaria a fé. Jesus o interroga: “Que queres que eu faça para ti” É claro que um cego queria era enxergar, mas a palavra era importante para a comunicação entre ele e o poderoso Rabi da Galileia. 

 Ele não podia ver nem entrever a bondade que irradiava o rosto bondoso de Cristo. Jesus dá uma oportunidade àquele homem de se exprimir com sinceridade, sem rodeios, o que ele de fato desejava, revelando sua confiança absoluta no Seu poder. Soou então o pedido daquele cego: “Mestre , que eu veja”. Esta prece precisa ser tantas vezes repetida, porque muitos são aqueles que são cegos espirituais. Não veem tantas maravilhas em seu derredor e vivem se queixando de Deus. Poucas vezes Lhe agradecem os favores recebidos. Não enxergam Jesus na figura do próximo, sobretudo do próximo mais próximo que é aquele com o qual se convive sob o mesmo teto. 

Não avistam os pináculos reluzentes da Casa do Pai e, por isto, se apegam ao que é transitório nesta terra de exílio. Felizes os que se consideram cegos, mas confiantes; cegos, mas certos de que Jesus é o Médico divino que sana toda enfermidade e clarifica a vista para que se mirem os valores espirituais. Cumpre, de fato, deparar os traços do amor de Deus, para poder sentir Sua dileção e Sua fidelidade na obra de salvação de cada um. É preciso perceber as intenções falsas e perniciosas das ideologias reinantes difundidas pelos meios de comunicação social. Olhos para ver como é belo, nos momentos de provação, sofrer com Jesus, pela Igreja e pela salvação do mundo. Ver, compreender o mundo que se acha em torno de cada um, ver a si mesmo. Com toda humildade, ousar solicitar: “Jesus, faça que eu veja”. Tudo isto para testemunhar o Evangelho por toda parte.

 Se tal acontecer se poderá escutar Jesus a dizer após esta cura da visão espiritual: “Vai, a tua fé te salvou”. Então o cristão coloca os seus passos nos passos do Mestre divino, se põe a caminhar com segurança glorificando verdadeiramente a Deus. É de se notar finalmente que quando Bartimeu gritava “Filho de Davi, tem piedade de mim”, muitos mandavam que ele se calasse. No contexto histórico atual, mais do que nunca, são inúmeros os obstáculos para que se possa chegar até Jesus, todo cuidado é pouco para que o cristão possa em tudo ser fiel a seu Senhor vivendo intensamente o seu Batismo que o tornou participante do múnus sacerdotal de Cristo, de Sua missão profética e de Sua realeza. 

O cego não se intimidava e clamava mais alto ainda como bem registrou São Marcos. Indene a todas as dificuldades levantadas por um mundo eivado de hedonismo e materialismo, ileso a todas as vozes do mal, o bom seguidor de Cristo nunca fraqueja nas suas orações, vence o mundo e com Jesus opera proezas, levando a muitos a enxergar as realidades que  salvam e trazem a verdadeira felicidade.

Valorizar a cruz de cada dia

Mestre insuperável, Cristo deixou pedagogicamente normas para seus seguidores. Nunca empregava circunlóquios e expressava taxativamente suas orientações Assim agiu quando lançou esta sentença densa de significado: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz todos os dias e siga-me” (Lc 9,13). 

É de se notar inicialmente que Ele não impôs uma atitude a ser tomada. Entretanto, quem voluntariamente quisesse ser seu discípulo três procedimentos eram basilares. Em primeiro lugar, todas as forças deveriam ser empregadas buscando o triunfo sobre o amor de si mesmo, a inconstância e vencendo o horror a tudo que mortifica a vontade própria. Em síntese, pugna contra aquilo que fosse resistência a Deus e de opusesse às diretrizes de sua graça divina. Em seguida, Cristo mostra que todo ser humano nesta terra, quer queira, quer não, tem que carregar sua cruz de cada dia. Tudo neste mundo exige esforço, coragem determinação e custa sacrifício. 

 O modo como alguém convive com as naturais tribulações da vida é que caracteriza seu seguidor. Este recebe com amor a cruz e cultiva o desejo de morrer para si mesmo e ser imolado a exemplo de Jesus, se comprazendo então com os desígnios de Deus. Por isto a ordem dada foi clara para quem assim sabiamente procede: ”Siga-me”.  O caminho que Ele percorreu foi de total sofrimento como descreveu São Paulo: “Despojou-se a si mesmo, tomando a natureza de servo, tornando-se semelhante aos homens e reconhecido como homem por todo seu exterior, humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte, e à morte de cruz” (Fl 2,7-9). A lembrança desta sua cruz estaria gravada no coração dos que lhe fossem fiéis, crescendo continuamente cada um no ardor pela mesma, não obstante todas as tribulações das quais ela seria o símbolo vivo. Seu seguidor passaria a ter o domínio sobre si mesmo, teria mais paciência nos sofrimentos, mais constância nos bons propósitos, mais indiferença pela estima dos outros, aos quais nunca desprezaria.

 No entanto, quem assim agisse, paradoxalmente, conheceria uma inefável paz interior. Foi o que ocorreu com São Paulo que asseverou: “À medida  que crescem em nós os sofrimentos de Cristo, cresce também por Cristo nossa consolação” (2 Cor 1,5). Estas aflições são a prova da fé de quem é fiel a Deus como bem mostra São Pedro: “Por isso, exultais, embora sofrendo um pouco por ora, se necessário, diversas provações” (1 Pd 1,6). Em tudo, porém, a graça de Deus sustenta o fiel, e este repete sempre com o salmista: “Senhor, vinde em meu auxílio! (Sl 29,11). Com o olhar da fé o discípulo de Cristo vai além de tudo que lhe acontece neste peregrinar terrestre. Exclama com Davi: “À tarde vêm as lágrimas, mas pela manhã, grito de alegria” (Sl 29,6). 

Deste modo, ainda que a vida neste mundo seja uma provação contínua o cristão sabe como transformar tudo isto em méritos para a eternidade. Com isto se dá o que falou o Apóstolo Paulo: “Completo na minha carne o que falta ao sofrimento de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja” (Col 1,24). É que, embora a Paixão de Cristo tenha um mérito infinito, nada carecendo no seu corpo físico, no seu corpo místico que é a Igreja da qual fazem parte os cristãos, há algo a ser acabado nos seus membros, ou seja, em todos os batizados. Eis por que o verdadeiro discípulo de Cristo carrega sua cruz silenciosamente e longe de fazer os outros sofrerem por isto, se torna uma força viva dentro da comunidade em que vive. Compreende, como bem se expressou o teólogo Ricardo Graef, que “é  uma grande graça o poder sofrer, é um sinal  de predestinação e de um favor especial que Deus nos faz”. O Pe. Grou mostrou que “ toda a moral evangélica se reduz a carregar cada um sua cruz, a se renunciar, a crucificar a carne e a cobiça”.  

Quem assim age esta convencido da malícia infinita do pecado, causador dos padecimentos de Jesus no Calvário. Por reconhecer sua miséria, quem tem fé faz de seus padecimentos pessoais, acatados com sabedoria, uma arma contra as invectivas diabólicas.

 Deste modo, corresponde à grande misericórdia daquele que por ele e por toda a humanidade sofreu e morreu lá no Gólgota. Assim, as virtudes são praticadas, como a caridade para com o próximo, o perdão das injúrias, o amor aos desafetos, a humildade, o desapego das ilusões terrenas, a paciência. O autêntico cristão traz consigo a cruz de Cristo fixa no  seu 

A Missão de Santa Teresinha

Em um dos manuscritos autobiográficos de Santa Teresinha se acha qual foi sua missão no coração da Igreja. Ela não se encontrou em nenhum dos membros do Corpo Místico de Cristo enumerados por São Paulo nos capítulos doze e treze da primeira Carta aos coríntios. Entretanto, prosseguindo na leitura decodificou para si a grande mensagem do Apóstolo, ou seja, que o amor é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus [...] O amor deu-me o eixo de minha vocação”. 

Envolta no amor a Deus ela atingiu a culminância da santidade e suas preces e sofrimentos levaram à conversão milhares de almas. Cumpre então bem conceituar em que consiste este amor que transfigurou a santa de Lisieux. Trata-se do amor que não é manchado pela autoestima. Esta consiste em tudo fazer girar em torno de si mesmo, sendo Deus banido por não ser Ele o fim último dos atos daquele que age só em função do amor-próprio. Como Santa Teresinha tudo referia a Deus, lhe foi possível acatar sacrifícios, sofrimentos, mortificações e viver em oração contínua. 

Ela de tal forma se desligou das coisas da terra que já percebia neste mundo algo das delícias eternas. Por tudo isto ela se purificava dia a dia e de tal maneira que com apenas 24 anos foi digna de ir para o céu de onde continuaria a derramar as graças divinas para seus devotos. Através deles operaria admiráveis mudanças de vida por parte de milhares de transviados. É impossível ao comum dos mortais atingir o amor puro de Deus no grau a que chegou Santa Teresinha, mas ela traçou um ideal plausível a todos os cristãos. Com efeito, é possível o esforço para que cada um se despoje de si mesmo e seja em tudo fiel a Deus. Entrega de tudo. ao Senhor com generosidade, não desfalecendo ante as provações que Deus permite para testar a lealdade de quem diz que O ama. 

Neste mundo o cristão tem que conviver com as tentações, as contrariedades que podem a cada passo surgir. Por vezes a Providência divina permite até humilhações vindas de pessoas com as quais se convive, mas a paciência tudo suporta e leva à santidade existencial. Sobretudo na vida de muitos santos se lê que uma terrível provação foi o se julgarem abandonados por Deus, mas este não deixa sobrevir nunca o desespero. O intuito divino é sempre a total. Confiança nele. A entrega à vontade divina se torna então a mais sublime oferta do ser racional a seu Criador. Jesus, enquanto homem, deixou um exemplo magnífico, por ter “se aniquilado a si mesmo” (Fl 2,7). Eis ´por que o verdadeiro cristão a exemplo de Cristo, de Santa Teresinha e tantos outros santos, procura harmonizar sua existência com o beneplácito divino.

 Para cada um Deus tem seus planos específicos. São Paulo, num momento de pulcra inspiração, exclamou: ”Ó profundeza inexaurível da sabedoria e da ciência de Deus! Como seus juízos são insondáveis e incompreensíveis os seus caminhos! Porque quem jamais conheceu o pensamento do Senhor ou lhe foi o conselheiro”?”(Rm 11,33). A adesão irrestrita ao Todo-poderoso Senhor é a plenitude da sabedoria. Ele advertiu através do Profeta Isaias: “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). Aí está a razão pela qual nada mais maravilhoso do que cumprir a cada instante a Sua vontade santíssima e não fazer a vontade própria. 

Deste modo, a tarefa de cada hora, grande ou pequena, agradável ou desagradável, ganha um valor imenso. Não é fácil agir continuamente desta maneira, a não ser que o cristão esteja ancorado na convicção de que Deus é quem sabe o que é mais vantajoso para cada um de seus filhos fiéis. O olhar perspicaz da fé leva então o cristão não apenas à observância dos mandamentos, mas ainda mais à fidelidade nas mínimas circunstâncias da vida. É preciso estar atento ao menor sinal de Deus para poder discernir suas inspirações, sendo sensível ao toque da graça. É assim que se conhece o que Deus quer, podendo conformar a Ele a conduta diária. Daí resulta a calma, o recolhimento, a tranquilidade como frutos não de uma passividade mórbida, mas de uma harmonia com Deus que, por sinal, é em si exigente. 

Aceitar tudo que vem de Deus conforme aconselhou São Paulo: “Quer comais, quer bebais, que façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Cor 10,31). Desta maneira, o cristão cumpre a missão que o Criador lhe reservou neste mundo e terá, a exemplo de Santa Teresinha, uma grande recompensa na Casa do Pai.
 

 
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